pensamentos, desabafos, dúvidas, questões, ilusões, sonhos e outras Reminiscências....
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Actor principal (e único)
Altivo. Egoísta. Orgulhoso.
Emílio Vicente era assim.
Filho único de um casal da classe alta. Regido por uma autoridade exímia
passada por um pai militar e por uma mãe devoluta das aparências socias,
desenvolveu - quase que obviamente - características que o distinguiam de todos
os outros.
Sempre lhe exigiram que fosse o melhor – “era um Vicente!” – tinha de
zelar pelo seu ego especial, alimentado por uma luxúria e vaidade paternal.
Tornou-se no melhor dos melhores.
No desporto, campeão várias vezes de ténis (era impensável a prática de
um desporto coletivo que não realçasse as suas capacidades individuais de
jogador.
Profissionalmente, era um gestor /ditador. De pouco relacionamento social
com os seus colaboradores, media tudo a regra e esquadro, somas e subtrações, divisões
e multiplicações.
Nada mais interessava.
Chegou longe. Ganhou milhões.
Era meticuloso. Perfeccionista. Lunático (quase) com os pormenores.
Gostava de ser o actor principal em tudo. Sempre o melhor. A vedeta, a
estrela. Contudo, no encalce deste patamar
maltratou, pisou, desrespeitou.
Um dia, aos 55 anos, percebeu, num pequeno rasgo de lucidez emocional
que era um homem só. Apercebeu-se da solidão que o rodeava. Já não tinha
ninguém com quem competir, ninguém a quem se mostrar, ninguém para o venerar.
Os pais já haviam morrido e todos os outros se tinham fartado dele.
Estava mais velho, já ninguém lhe ligada.
Encontrou apenas um caminho: o suicídio.
Um qualquer desesperado teria agarrado na primeira arma e teria acabado
com a própria vida.
Emílio não. “Sentou-se na secretária, levou as mãos aos lábios, meditou, e reescreveu a
morte”, até atingir a perfeição.
Quis fazer um guião da cena final da sua vida, carregada de drama,
emoção e singularidade.
Quis que todos soubessem que ate na morte se distinguiu.
Morreria, mas sempre como um actor principal.
Pena que esta peça tenha decorrido sem público algum na plateia.
Agirofobia
Vivo
presa. Vivo sufocada. Vivo desesperada.
Só
decimo segundo andar me dá a segurança que eu preciso. Assim que entro em casa
e a fechadura se tranca, respiro, e o sossego encontra-me. Aqui sim, bem do
alto consigo evitá-los.
Aqui
não me tocam, não me vêm. Estou fora do seu alcance.
É
a hora do dia na qual relaxo e supero o meu medo.
Nos
meus 35 de anos de vida, nunca este sentimento fora tão forte. Angustiante.
Começo
a sentir que estou no meu limite!
“Andreia
tens de ser forte! Aguenta-te!” – digo a mim mesma todos os dias.
Mas
não é fácil.
Basta
adormecer. E eles lá voltam. Nos meus sonhos, todos os dias, encarnam as mais
sombrias personagens. Seja noite, seja dia. Esteja só ou acompanhada. Eles
aparecem sem avisar e possuem-me!
É
insuportável viver assim!
Viver
no centro do mundo, na cidade que nunca dorme, na terra da oportunidade, nada
me diz. Esta cidade esta empestada deles e é quase impossível fugir-lhes. Quando
saio para o emprego, quando vou ao ginásio, na ida às compras, nunca evito um
encontro com um deles. Estão em todo o lado.
Este
medo esta a sufocar-me, está a enlouquecer-me. Não sei o que faça.
Será
que me devo mudar? Ignora-los é impossível. Destrui-los impensável.
Fugir
também não é a melhor solução. Quero conseguir vencer esta batalha.
A
cruel verdade é que esta cidade sucumbe-me, endoidece-me.
Estes
estão em todo o lado.
Espreitam
por entre os arranha-céus. Engolem os carros, abraçam as lojas. Controlam os
pedantes.
As
ruas paralelas, as ruas perpendiculares, os viadutos, tudo se cruza!
Tudo
se liga! Tudo se mistura,
Cruzamentos!
É impossível fugir-lhes!
Eles
estão em todo o lado!
Agirofobia.
Quem
tem, não deve, nunca, viver em Nova York.
“Quem são? Onde estou? Que faço aqui? “
Ahhhhhhhhhhh!!! – foi com um grito que João
acordou.
Era como se estivesse a cair, abruptamente, num
poço sem fundo. Uma sensação de falta de ar, de impotência, de vazio.
Ainda de olhos cerrados, sentiu-se observado.
À sua volta estavam três vultos. Três pessoas. Três
indivíduos, totalmente desconhecidos.
“Quem são? Onde estou? Que faço aqui? “
Permanecia deitado no chão e era observado por Maria.
Uma simpática senhora, de 35 anos que se cruzava todos os dias com o João, no
metro. Sempre com um ar tristonho, um dia ouviu-a comentar com uma amiga como
seria mais feliz se o seu marido fosse mais romântico.
“Que pena, espero que encontre um verdadeiro príncipe
encantado”- pensou João ao escutá-la.
Junto a Maria, estava Xavier, o coxo. Um jovem
vizinho do João que, depois de um acidente de moto, quando vinha do trabalho,
ficou com alguma dificuldade na perna direita. Mesmo assim, ajudava sempre a
idosa do quarto andar.
“Coisas destas só acontecem a boas pessoas. Merecia
um milagre” – pensava muitas vezes João.
Mesmo à sua frente apresentava-se a Julieta, a nerd lá do escritório. Uma inteligente
mas acanhada miúda do departamento de marketing. A combinação dos seus óculos e
massa com o teclado do computador, faziam dela a ave rara do escritório. Só reparavam nela para chacota.
“Só um cego é que não vê que ela é mesmo gira. Pena
não verem aquilo que consigo ver”, suspirava (muitas vezes) o João.
Hoje a Maria é feliz, encontrou um grande amor.
O Xavier voltou a caminhar normalmente, até joga
futebol.
A Julieta mostrou seu talento. É diretora criativa (e
passou a usar lentes de contacto e cabelo solto).
Os desejos do João tornaram-se realidade. Foi uma dádiva
que lhe fora concedida em tempos, sem que ele soubesse disso.
Sem saber como, também, estes abençoados souberam
disso e juntaram-se para homenageá-lo.
Contudo a vida pregou-lhe uma partida, mesmo sendo
o João um anjo da boa vontade.
Convivia diariamente com o Pedro. Competia com ele
todos os dias pelo jornal, no café central. Sentia essa competição, havia dias
em que as notícias até pouco importavam, mas ele queria ler primeiro. Achava
que o Pedro lhe ocupava o jornal de propósito, como provocarão.
“Estou farto de esperar pelo jornal. Este chato
podia esquecer-se do caminho para este café” – pensou o Pedro.
E assim, o João se esqueceu.
Esqueceu tudo. Esqueceu quem é.
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